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Eleição Incondicional

Eleição Incondicional: A Escolha Soberana de Deus

A doutrina da Eleição Incondicional, segundo dos Cinco Pontos do Calvinismo, afirma que Deus escolheu, de maneira soberana e graciosa, um grande número de pecadores para a salvação, sem considerar qualquer mérito, obra ou fé prevista neles.

Essa escolha não foi condicionada a qualquer ação futura ou qualidade intrínseca do ser humano. Foi um ato de graça pura, realizado por Deus antes da fundação do mundo, com base apenas em sua vontade perfeita.

Como bem explicou R.C. Sproul, comentando Romanos:

“A doutrina reformada da predestinação é muitas vezes atribuída a João Calvino, mas ela é anterior a ele. Lutero já a ensinava contra Erasmo, e antes de Lutero, Agostinho a defendia. Agostinho, por sua vez, seguia o ensino do apóstolo Paulo, que o recebeu do próprio Cristo, e este, por sua vez, nada ensinou que já não estivesse nas palavras de Moisés.”

Foi a oposição dos Remonstrantes – discípulos de Jacó Armínio – que trouxe esse ponto ao centro do debate reformado, levando ao Sínodo de Dort e à formulação clara dos Cinco Pontos. Importante notar que a eleição incondicional se sustenta sobre o primeiro ponto: a Depravação Total. Se o homem é incapaz de crer por si mesmo, então a salvação só pode partir de Deus.

I – Lutero, Melanchthon e a Presciência

Pelágio ensinou que o homem nasce moralmente neutro e livre para escolher o bem ou o mal. O catolicismo romano adotou uma forma mais sutil desse erro – o semipelagianismo – com sua doutrina da “graça infusa”, que coopera com a vontade humana.

Os reformadores rejeitaram essa ideia e afirmaram a total incapacidade do homem para crer sem a ação soberana de Deus. Lutero, inclusive, defendeu essa doutrina com mais vigor que Calvino, considerando a eleição incondicional uma verdade fundamental da Reforma.

Contudo, após a morte de Lutero, seu discípulo Felipe Melanchthon modificou essa visão. Influenciado por um entendimento mais racionalista, Melanchthon ensinou que Deus, na eternidade, previu quem haveria de crer em Cristo por livre escolha e, com base nisso, os elegeu. Essa é a chamada visão presciente da predestinação – ou seja, uma eleição condicional.

Esse modelo se espalhou amplamente entre os protestantes, especialmente por passagens como:

“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho…” (Rm 8.29)

“Eleitos segundo a presciência de Deus Pai…” (1Pe 1.2)

Entretanto, esse ensino não está correto, como veremos no decorrer do texto.

II – O Entendimento de Armínio

Jacó Armínio não negava a doutrina da eleição, mas reinterpretava sua causa. Para ele, Deus elegeu aqueles que sabia que, de antemão, creriam em Cristo por livre vontade. A fé, nesse caso, precedia a regeneração, e era vista como iniciativa humana, não dom de Deus.

Como resumiu David Steele:

“Deus escolheu aqueles que Ele sabia que, de sua livre vontade, escolheriam Cristo. Assim, a causa última da salvação não é a escolha que Deus faz do pecador, mas a escolha que o pecador faz de Cristo.”

Essa posição foi formalizada na Remonstrância e julgada pelo Sínodo de Dort, que rejeitou o ensino arminiano.

III – A Resposta do Sínodo de Dort

O Sínodo de Dort reafirmou a eleição incondicional como verdade bíblica central. Em síntese:

  1. Desde a eternidade, Deus escolheu alguns para a salvação em Cristo, deixando outros entregues à justa condenação de seus pecados.
  2. Essa eleição não foi baseada em qualquer qualidade, fé prevista ou mérito humano, mas unicamente na vontade soberana de Deus.
  3. Deus manifesta sua misericórdia ao salvar os eleitos, e sua justiça ao punir os não eleitos. Ele não deve salvação a ninguém; portanto, não há injustiça ao escolher uns e não outros.
  4. A eleição é misteriosa quanto aos critérios divinos, mas está claramente desvinculada de qualquer ação humana futura.
  5. A salvação é totalmente obra de Deus. Não há participação humana em sua origem ou causa. Fé e arrependimento são dons dados por Deus aos eleitos.
  6. Na ordem da salvação (ordo salutis), a regeneração precede a fé e o arrependimento.

IV – O Verdadeiro Significado de Presciência

A palavra “presciência” em textos como Romanos 8.29 e 1Pedro 1.2 é frequentemente mal compreendida. Muitos assumem que significa simples previsão de fatos futuros. Mas, biblicamente, “conhecer” implica mais do que saber: envolve relação íntima, amor e escolha soberana.

Exemplos:

  • “Porque eu o escolhi [conheci]…” (Gn 18.19)
  • “Somente a vós conheci dentre todas as famílias da terra…” (Am 3.2)
  • “Não a conheceu [não teve relações com ela]…” (Mt 1.25)
  • “Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu…” (Rm 11.2)

Muitas pessoas pensam que Deus apenas olhou para o futuro e “previu” quem iria crer em Jesus — e com base nisso, decidiu salvá-los. Essa ideia faz parecer que Deus apenas reage ao que o ser humano fará, o que fere a soberania de Deus revelada nas Escrituras.

Porém, quando lemos “aos que de antemão conheceu” (Romanos 8.29), o termo grego usado por Paulo (proginōskō) é mais profundo que mero conhecimento prévio. Ele envolve uma escolha amorosa e intencional — semelhante ao sentido bíblico da palavra “conhecer” como em “conheceu Eva, sua mulher” (Gênesis 4.1), que expressa intimidade, relação, afeto. Assim, “presciência” aqui significa que Deus decidiu, com amor soberano, ter um relacionamento salvador com certas pessoas, antes mesmo que existissem.

Portanto, essa presciência é ativa, pessoal e graciosa — não baseada no mérito ou na decisão humana, mas no propósito eterno de Deus. Isso reforça que a salvação é toda pela graça, e não por algo que Deus “viu” no futuro.

Conclusão

A doutrina da Eleição Incondicional nos leva a uma profunda reverência e gratidão diante do Deus que salva pecadores não por méritos, mas por graça. Ela ressalta a soberania divina, a miséria humana e a centralidade de Cristo na salvação. Como afirma o apóstolo:

“Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia.” (Rm 9.16)

A glória da salvação pertence exclusivamente ao Senhor.


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