A música está presente em praticamente todos os momentos da nossa vida. Ela embala memórias, alivia tensões, nos anima ou nos faz refletir. Mas uma pergunta surge com frequência no meio cristão: é errado ouvir música “do mundo”? A resposta, embora envolva discernimento, não precisa ser complicada. Com base em uma reflexão lúcida e pastoral do Rev. Augustus Nicodemus, podemos repensar o que realmente define uma música como mundana — e como isso afeta nossa caminhada com Deus.
O que é “música do mundo”, afinal?
Antes de qualquer julgamento, precisamos definir os termos. Quando dizemos “música do mundo”, estamos falando de quê? Da autoria? Do estilo musical? Da letra?
Alguns consideram que qualquer música feita por não cristãos já deve ser evitada. Mas, se aplicarmos esse critério com coerência, teríamos que parar de consumir praticamente tudo — roupas, alimentos, ferramentas — simplesmente porque foram produzidos por descrentes. E isso não faz sentido. Jesus mesmo disse que não nos tiraria do mundo (João 17.15), mas que fôssemos preservados do mal enquanto vivemos nele. A vida cristã não exige isolamento cultural, mas discernimento espiritual.
O ritmo define a santidade de uma música?
Outros apontam o ritmo musical como critério para julgar o que é “mundano”. Mas será que existe mesmo um ritmo que Deus considera puro e outro impuro?
Todo ritmo vem da criatividade que Deus concedeu ao ser humano. Não há nada na Bíblia que declare o rock, o samba ou o sertanejo como pecado em si mesmos. O problema não está na batida, mas no propósito e nos efeitos que ela provoca. Em contextos de culto, é justo reconhecer que alguns ritmos talvez não conduzam à reverência, meditação e adoração. Isso exige sabedoria pastoral na escolha do repertório congregacional. Mas fora do culto, muitos estilos podem ser apreciados como expressão de arte, beleza e até reflexão — desde que não promovam valores contrários ao evangelho.
O conteúdo é o verdadeiro critério
A melhor forma de discernir o que ouvimos está na letra. O conteúdo é o que define se uma música é mundana ou não, no sentido bíblico. Se a canção faz apologia ao pecado — traições, promiscuidade, ódio, egoísmo, materialismo — então está em oposição aos valores de Deus revelados na Escritura.
Paulo nos orienta a ocupar a mente com “tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, de boa fama” (Fp 4.8). Se uma música te afasta desses pensamentos, ela está te afastando daquilo que agrada ao Senhor.
Curiosamente, isso também nos leva a considerar algumas músicas chamadas “gospel”. Há canções ditas cristãs cheias de erros doutrinários, heresias e distorções da Palavra. Uma música que se diz evangélica mas que apresenta um deus que só quer nos enriquecer ou que aceita qualquer tipo de comportamento sem arrependimento também é, nesse sentido, mundana.
Podemos ouvir músicas que não são de culto?
Sim, desde que elas não promovam o pecado nem sejam contrárias à verdade bíblica. Uma canção que fala sobre saudade, sobre o tempo, sobre o cuidado com os filhos ou sobre a beleza da vida pode ser uma boa companhia para o cristão. Afinal, todo ser humano — mesmo sem reconhecer — carrega traços da imagem de Deus, e isso se expressa em arte, inclusive na música.
É importante lembrar que nem toda boa música deve ser levada ao culto. Há músicas próprias para adoração, com teologia saudável, centradas em Cristo e na graça de Deus. Para esses momentos, precisamos de compositores fiéis, que amem a Bíblia e componham com reverência. Mas fora do culto, ainda podemos desfrutar da boa música com um coração vigilante.
Conclusão
A pergunta não deve ser apenas “posso ouvir música do mundo?”, mas “essa música me aproxima ou me afasta de Deus?”. O evangelho nos liberta do legalismo e do mundanismo — nos conduzindo ao equilíbrio. Podemos aproveitar a boa arte, mesmo fora do círculo cristão, se ela estiver em harmonia com a verdade. Mais do que regras externas, Deus deseja um coração transformado, que discerne, rejeita o mal e se apega ao que é bom (Rm 12.9).
Que nossa playlist, assim como nossas atitudes, reflita um coração moldado pela graça e guiado pela Palavra.
Referências Bibliográficas
NICODEMUS, Augustus. Cristianismo descomplicado. 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2017. p. 77–80.
BÍBLIA. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.