Um dos questionamentos mais antigos — e talvez mais inquietantes — que a humanidade já enfrentou é este: Se Deus é bom e todo-poderoso, por que existe o mal no mundo? Essa pergunta é frequentemente usada por ateus para contestar a existência de Deus, argumentando que a realidade da dor, do sofrimento e da injustiça parece incompatível com a ideia de um Deus soberano, onisciente e amoroso.
Mas será mesmo que a existência do mal invalida a existência de Deus? Ou será que há uma resposta mais profunda, coerente e transformadora — uma resposta que apenas o cristianismo oferece?
O argumento contra Deus com base na existência do mal parte de uma lógica aparentemente simples: se Deus é todo-poderoso, ele pode eliminar o mal; se é plenamente bom, ele quer eliminá-lo. Mas como o mal existe, então ou Deus não é bom, ou não é poderoso, ou simplesmente não existe. Parece irrefutável — até analisarmos com mais cuidado.
A Bíblia não ignora o problema do mal. Pelo contrário, ela o encara de frente. Desde Gênesis até o Apocalipse, a Escritura revela um Deus que não apenas reconhece o mal, mas que também age soberanamente em meio a ele. Em Romanos 8.28, Paulo afirma: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Isso inclui até mesmo o mal e o sofrimento.
Mas por que Deus permitiria o mal? A resposta bíblica e reformada é clara: para a glória de Deus. Pode soar estranho aos ouvidos modernos, mas é uma verdade profunda e consoladora. Deus não criou o mal, mas o permite com um propósito maior — para revelar aspectos do Seu caráter que, sem a presença do mal, permaneceriam ocultos.
Considere, por exemplo, a misericórdia. Como conheceríamos a misericórdia divina se nunca houvesse queda, pecado ou condenação? Como contemplaríamos a profundidade do amor de Deus se Ele não tivesse enviado Seu Filho para morrer por pecadores? Como diz o apóstolo Paulo: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
A cruz de Cristo, ápice da revelação divina, só faz sentido em um mundo marcado pelo mal. Foi por causa do pecado que o Verbo se fez carne (Jo 1.14) e habitou entre nós, cumprindo o plano eterno da redenção. Sem a existência do mal, não haveria necessidade de salvação — e, portanto, não haveria encarnação, cruz ou ressurreição.
Além disso, uma criação testada e aprovada é mais gloriosa do que uma criação nunca provada. A redenção em Cristo transforma pecadores em filhos reconciliados, e isso para sempre. O homem redimido, que já experimentou a dor do pecado e a beleza da graça, jamais desejará voltar às trevas. Essa transformação é duradoura e gloriosa.
Francis Schaeffer, teólogo reformado do século XX, destacou que o cristianismo é a única cosmovisão que oferece uma explicação consistente para o problema do mal. Ele escreveu: “O cristianismo não nega a realidade do mal; ele afirma que o mal é um intruso, mas que, no tempo certo, será expulso.” O mal não é intrínseco à criação nem à natureza humana. O homem não foi criado essencialmente mau, mas tornou-se mau por um ato voluntário de desobediência. Por isso, o mal pode — e será — vencido.
Enquanto isso, o mundo secular trata o mal como algo natural, parte da condição humana. Para muitos, lutar contra o mal seria o mesmo que lutar contra si mesmo. E numa visão puramente evolucionista, não existe mal ou bem — só sobrevivência. Mas no cristianismo, o mal é um forasteiro. Ele está aqui, sim, mas não para sempre.
Conclusão
Diante de tanto sofrimento, é compreensível que as pessoas questionem: “Onde está Deus?” Mas a fé cristã não silencia nesse momento. Ela aponta para uma cruz. Ela diz: “Deus está aqui. Sofrendo conosco. Morrendo por nós. Vencendo o mal com o bem.”
A existência do mal, portanto, não é uma ameaça à fé cristã. É justamente na sua presença que o poder de Deus, a profundidade do Seu amor e a glória da Sua graça brilham ainda mais forte. O mal existe, mas ele não tem a palavra final. Deus tem.
E aqui está algo essencial: Deus não está preso ao tempo como nós estamos. Ele vê o fim desde o começo. Para Ele, o problema do mal já foi resolvido. Somos nós, criaturas temporais, que ainda percorremos a história até o desfecho prometido. E esse desfecho já foi revelado: o mal tem data de validade. A cruz selou sua condenação, e o retorno glorioso de Cristo decretará seu fim definitivo. No céu, Deus nos promete o fim de toda dor, de todo sofrimento, e a plenitude da alegria eterna em Sua presença.
O cristão não precisa de todas as respostas lógicas para esse mistério — afinal, somos criaturas finitas diante do Deus infinito. O que temos é uma resposta verdadeira, mesmo que não seja completa aos olhos humanos: o mal existe, mas Deus reina. E Ele está trabalhando, mesmo nas sombras, para cumprir Seus eternos propósitos.
No fim, toda lágrima será enxugada, todo mal será extirpado, e a glória de Deus será plenamente revelada. Até lá, vivemos pela fé — não numa fé cega, mas em uma fé fundamentada na cruz, no amor e na soberania de Deus.
“Ele enxugará dos olhos deles toda lágrima, e não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.” (Apocalipse 21.4)
Referências Bibliográficas
MENDES, Alex da Silva. Argumentação teológica: a existência de Deus. Entender a necessidade da existência de Deus para o sentido da vida e a racionalidade da fé. Revista Eletrônica Espaço Teológico, v. 10, n. 17, p. 154–167, jan./jun. 2016.
SAGRADAS ESCRITURAS. Bíblia Sagrada. Nova Almeida Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.
SCHAEFFER, Francis A. A morte da razão. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.